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Roceive braice larfiar?

Falando Sério

O livro “Água Doce” (memórias) do nosso saudoso Jader Ferreira e uma reportagem que foi publicada no jornal “A Notícia” aqui de Santa Catarina, motivou-me a escrever esta estranha história.
Jader conta-nos em seu livro um “causo” intitulado – “Casas para todos”, onde ele relata um comportamento muito comum entre a molecada dos anos 1950.
Quando queríamos falar alguma coisa ou, até mesmo, conversar sobre um assunto que não era conveniente que os mais velhos escutassem, falávamos numa linguagem própria imaginando que os coroas não iam entender nada. Lembram-se da língua do “i”?
Uma pesquisa realizada na cidade de Herval do Oeste por um acadêmico de história da UNOEST – Universidade do Oeste de Santa Catarina resgatou um vocabulário que já conta com mais de 350 palavras e que agora pretendem editar uma monografia sobre o assunto.
Por mais estranho que possa parecer, “roceive braice larfiar?”, não se trata de uma língua estrangeira, mas sim de uma gíria criada por carregadores de mala e engraxates na década de 50 naquele município localizado no meio-oeste catarinense. A tradução é: “você sabe conversar?”.
A “larfiagem”, como é conhecida, nasceu primeiramente da necessidade de um grupo de adolescentes de 12 e 13 anos, de enganar a polícia para ganhar uns trocados carregando bagagem dos viajantes que chegavam à estação ferroviária. Naquela época, só podiam fazer este trabalho, os carregadores que eram credenciados.
Além de driblar a polícia, os carregadores clandestinos no seu linguajar combinavam o preço entre eles, sem os viajantes entenderem, assim ninguém cobrava mais do que ninguém.
A turma da “larfiagem” era composta por cerca de 15 jovens, dos quais restaram poucos. Os que mais mantêm contato e gostam de “larfiar” entre si são quatro, todos casados e, para recordar os bons tempos e resgatar parte dessa história, eles costumam se reunir, não apenas para matar a saudade, mas agora, para elaborar um dicionário da gíria criada por eles.
Fato é que, com o passar dos anos e o distanciamento entre eles, muitas das palavras foram esquecidas, quando não distorcidas. Como a gíria, na região, se tornou de domínio público, muitos tentam falar, e como não sabem, acabam distorcendo tudo e o linguajar perdeu muito da originalidade.
Conforme um dos “larfiadores”, o negócio era mesmo complicar, fazer qualquer coisa para que ninguém, fora da turma, entendesse o que era dita. Era muito engraçado ver que as pessoas em volta não entendiam nada, comenta.
A língua também era muito usada para paquerar as meninas. Para não levar um fora, era tudo na base da “larfiagem”.
A frase mais usada e só entendida por eles era: “a sornia de lerde é rombia”, ou seja: a moça que está com ele é boazuda.
O dicionário que dever ser lançado em breve, também é uma homenagem aos amigos da “larfiagem” que foram morar em outras cidades e até aqueles que já morreram. Além de inventar novos significados para as palavras, o grupo mudou até os próprios nomes. Carlão virou Larquião; Moacir, Moanirce; Petri, Petilli e Getúlio, Gelurdio. A linguagem também era utilizada para driblar os professores, principalmente em época de prova.
Eis algumas palavras que constam do dicionário a ser editado: homem – moile; mulher – rosbie; eu – mirco; tu – roveice; nós – roisne; ele – lerde.
Os numerais: 1 – nurco; 2 – zordio; 3 – zertie; 4 – tiarco; 5 – cricio; 6 – zersia; 7 – tiersie; 8 – tioilio; 9 – vroile; 10 – zerdio.
Dias da semana: segunda-feira – griciunda lerfia; sábado – braicidio; domingo – não há tradução, pois, a turma não trabalhava neste dia.
Com o trabalho pretendem dar legalidade ao linguajar, conferindo-lhe reconhecimento científico.
A nossa cidade de Taubaté também tem um linguajar típico e que, através de pesquisa, a Universidade da Maristela poderá catalogar uma infinidade de palavras e ditos populares.

Joinville, 23 de junho de 2020.
Henrique Chiste Neto







  • Fontes: HENRIQUE CHISTE NETO

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