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Paternidade na época pós-moderna: recuperar a figura do pai.

O psicanalista Massimo Recalcati formulou a seguinte pergunta: “ O que resta do Pai?”. Jacques Lacan (1901-1981) usava a seguinte expressão: “a evaporação do pai”. São questionamentos pertinentes a nossa época que assiste a destruição da figura do pai. Observa-se que a figura do pai deixou de ser referencial para avaliarmos o sentido de muitas coisas. Foi colocado em suspeita a representação do pai. Alguns falam que na raiz disso está a crise da fraternidade. A figura do pai não se limita à paternidade biológica, ela tem uma função psíquica importante na vida de cada pessoa. A função do pai permite que o sujeito atravesse seu desejo. Como pensava o psicanalista W. Bion (1897-1979), o pai ajuda na construção da capacidade de pensar, elaborar e sonhar. Melaine Klein (1882-1960) destaca que a função paterna reorganiza o campo relacional interno da pessoa.
Não se trata simplesmente de reabilitar a paternidade do ponto de vista social; porém de avaliar criticamente certas imagens paternas. Quando lemos a Carta ao Pai, de Franz Kafka (1883-1924), um texto de muita culpa que demonstra o processo doloroso interior que Kafka viveu. O filme Qui a envie d’être aimé? (Quem deseja ser amado, 2010), traz uma reflexão sobre a crise da paternidade na sociedade contemporânea.
A função paterna tem as vestes da doação, da transmissão do desejo e não aquela da repressão ameaçadora. O pai encarado como testemunho que mostra que é possível unir o trauma da Lei que torna possível a doação do desejo. Geralmente a figura do pai é vista como exemplo incorruptível, como a figura kantiana do dever-ser. O que observa-se com o pai biológico acontece com as figurações simbólicas da paternidade, por exemplo, pai formador entre outros. A relação não curada com a autoridade paterna do passado deixa uma ferida aberta dos afetos no tempo presente. Exige uma reconciliação com a figura paterna. Isso implica um lugar do inconsciente que precisa ser desvelada na afetividade relacional. As relações reconciliadas coloca-nos sempre em relação com o que somos e para quem somos.
A paternidade nas palavras da psicanalista Françoise Dolto (1908-1988) é sempre adotiva. Não existe uma paternidade somente biológica na vida humana: o pai não é um espermatozóide; a paternidade é afirmar: tu és meu filho, independentemente da biologia, estirpe e sangue. Na linha cinematográfica temos dois filmes que apresentam uma reflexão nessa linha: Gran Torino, 2008) e Million Dollar Baby: sonhos vencidos (2004).
A paternidade não é apenas um dispositivo verbal, mas uma expressão de si, uma trajetória relacional do íntimo, uma consciência do ser que se constrói. Dizia Emmanuel Lévinas ( 1906-1995): “ O filho não é apenas a minha obra, como um poema ou um objeto. Também não é minha propriedade. Nem as categorias do poder, nem as do saber descrevem a minha relação com o filho. A fecundidade do eu não é nem causa, nem dominação. Não tenho o meu filho, sou o meu filho. A paternidade é uma relação com um estranho que, sendo embora outrem é eu; uma relação do eu com um si, que no entanto não é eu. (...) O filho não é eu; e no entanto, eu sou o meu filho”.
Todo conhecimento do que é um pai passa pela experiência vivida. A paternidade e principalmente responsável é um dom que deve resplandecer. Os papéis de paternidade, maternidade, filiação e fraternidade estão na base de qualquer sociedade, e sem os quais toda a sociedade vai perdendo consistência e tornando-se anárquica.
Porque os papéis que interagem na família e que são essenciais para a vida pessoal e social. Viver a integralidade destas relações básicas centra o coração da pessoa e permite-lhe expandir-se para o exterior de maneira saudável e criativa. A palavra circula entre os membros da família e cria um pequeno universo que marca a identidade de cada membro. São valores vitais para todo coração humano.
A ausência do pai na vida de uma criança causa muitas feridas. A presença do pai com seu exemplo, sua palavra e a transmissão de valores é fundamental na vida humana. Devemos entender que a palavra pai indica sempre uma relação fundamental, porém hoje fala-se de uma sociedade sem pais, na qual a figura do pai estaria simbolicamente ausente. Houve uma passagem dos extremos de uma presença vista como de um censor para uma situação de ausência. “Uma orfandade de pai vivo”, ausentes do processo de crescimento dos filhos, não se comportam como pais e deixam de lado a tarefa educativa. A paternidade implica não negligenciar suas responsabilidades. Essa “orfandade” implica ser órfãos de ideais, de valores e esperanças no cotidiano da vida. O desamparo causa consequências graves na vida de crianças e jovens.
A paternidade implica acolhimento e separação, interdição e elaboração, promover o desenvolvimento dos recursos do sujeito. A função paterna é fundamental mesmo com os deslocamentos de sua figura.
A paternidade e a filiação coloca-se no âmago da identidade do próprio sujeito. A importância da referência paterna, afetiva e moral. O amor paternal que cuida, acompanha e educa. O ato de gerar implica o dever de cuidar, proteger, promover , educar. O pai é um espelho para seus filhos. Palavras instruem, mas atitudes formam. É na boa qualidade da relação com seus filhos que o pai manifesta a fidelidade à sua missão. Ser pai é um aprendizado e missão permanentes.
08.08.2025 Prof. Dr. José Pereira da Silva











  • Fontes: PROFESSOR DR. JOSÉ PEREIRA DA SILVA